Cidade dos invisíveis: jovens levam afeto aos esquecidos

Trupe dos Palhaços Curativos divide carinho e alegria com quem vive na rua, em Belém. Veja reportagem do projeto experimental da concluinte de Jornalismo Trayce Melo, da UNAMA - Universidade da Amazônia.

qui, 31/01/2019 - 17:25

O trabalho voluntário, como o próprio nome diz, é uma atividade sem remuneração. O voluntariado dedica tempo para ajudar outras pessoas. Podem ser em hospitais, creches, asilos ou por meio de doação de alimentos. A Trupe dos Palhaços Curativos se empenha nesse trabalho de uma forma diferente e descontraída.

A Trupe é um grupo de jovens que promove ações sociais com o objetivo levar felicidade e afeto por meio da arte da palhaçaria, fazendo do amor um curativo. O projeto começou como trabalho de conclusão de curso da graduação da universitária Isadora Lourenço – mestranda em Artes pela UFPA (Universidade Federal do Pará) e já existe há mais de três anos. 

Inicialmente, a ideia principal era levar a arte e o afeto para o ambiente hospitalar. Até hoje são realizadas as visitas semanais aos hospitais de Belém. No entanto, o projeto ganhou novos integrantes de várias áreas profissionais, e a vontade de se expandir gerou mais duas ações: uma, denominada “Tem Palhaço na Rua”, atende pessoas em situação de rua, na Região Metropolitana de Belém, com a distribuição de donativos uma vez no mês;  e o “Rio de Risos”, que ocorre a cada seis meses em comunidades ribeirinhas com a doação de cestas básicas.

A ação do “Tem palhaço na rua” abre um novo horizonte. Estar em uma noite de sábado em uma concentração em frente ao Theatro da Paz, no centro de Belém, caracterizado de palhaço, já causa um impacto. O grupo avisa o dia da ação algumas semanas antes, pelas redes sociais, e outras pessoas interessadas podem contribuir e até mesmo participar da ação. Esse foi o meu caso. Entrei em contato com o grupo e me senti muito acolhida. Na concentração, com todos reunidos, é feita a divisão dos carros e o roteiro a ser seguido.

Os lugares visitados são a praça Waldemar Henrique, o Mercado do Ver-o-Peso, a calçada em frente às lojas Americanas da praça da República e o Mercado de São Brás. Em uma noite são distribuídas mais de 100 marmitas. Para a realização da ação é feito todo um planejamento para a arrecadação de alimentos não perecíveis, descartáveis, garrafas de água, polpa de suco e até mesmo a doação de dinheiro. No dia da ação, a Trupe se reúne algumas horas antes na casa de um dos integrantes para preparar as comidas e organizá-las nos carros.

O trabalho do grupo não se resume apenas à distribuição de donativos. Eles vão a pontos específicos, todos vestidos de palhaço, para oferecer uma forma de terapia e descontração para as pessoas. Cada integrante do grupo incorpora um personagem e tem um nome diferente, e isso ajuda muito para ter um diálogo mais descontraído com quem vive na rua.

A ação é feita à noite, por ser o horário em que as pessoas em situação de vulnerabilidade retornam para seus espaços de dormitório. Ao longo do dia, todos se dispersam. Geralmente, dormem perto de pontos turísticos, órgãos do governo ou em prédios abandonados, e principalmente em grupos, por uma questão de segurança.

A estudante de jornalismo Jaquelliny Lopes Barra, 23 anos, integra o grupo há cerca de seis meses, mas já participava das ações esporadicamente com a irmã, que fazia parte da Trupe. Ela conta que um dos motivos que a tornaram efetiva no grupo foi o trabalho com afeto. “Não é preciso a gente ter muita grana pra doar um pouco do nosso tempo e afeto. Todo ser humano precisa de um pouco de atenção e carinho. E essas pessoas estão em situação de vulnerabilidade, à mercê de qualquer coisa. É isso que me move; se eu puder ajudar, eu vou ajudar”, disse.

A estudante também explica que a caracterização de palhaços é uma questão de aproximação e empatia com o próximo. “O palhaço quebra uma barreira. E não tem nada tão fácil de fazer uma pessoa rir do que o excesso, daí a gente decidiu ser palhaço, porque é uma das melhores formas de transmitir afeto e tirar alguma risada. Pode ser a única risada daquela pessoa naquele dia. Isso aí já ganha um mês pra gente”, conta Jaquelliny.

A estudante relata que sempre teve uma visão muito crítica da sociedade, sempre achou que ninguém está na rua porque quer. Para ela, ajudar essas pessoas é escutar e não fazer julgamentos a respeito dessa condição de vida. Hoje, ela diz ter muito mais empatia do que antes. “Eu consigo entender o que elas passam, eu consigo entender que não é nada fácil, que eu já sabia que não era fácil, mas viver a experiência, viver um pouquinho da realidade delas é muito diferente. Hoje eu consigo entender muito mais elas do que antes.”

Jaquelliny aponta dificuldades. A pior delas, registra, como um desabafo pessoal, é não saber lidar com o não. “Às vezes a gente chega com uma pessoa em situação de rua, por exemplo, e ele não quer falar, ele tem o direito de escolha, muitas vezes a gente não sabe lidar com esse não. Porque estamos lá para ajudar.” Outro problema é a falta de alimentos. “As pessoas têm muito mais facilidade pra comprar um presente de Natal do que doar um alimento. Eu não consigo imaginar como dizer não pra alguém que precisa, acho que essa é a maior dificuldade de receber um não assim”, diz. “Eu não acho que a gente vai mudar a vida de todas essas pessoas ou resolver a vida delas. Mas eu quero pelo menos fazer a diferença naquele dia, para que aquelas pessoas possam ter o acesso a poder rir, que é um direito que todo mundo tem, que não deveria ser negado. Eu quero que elas tenham direito a afeto, a amor, principalmente isso.”

Em minha primeira ação com a Trupe, no dia 22 de setembro de 2018, um rapaz jovem, que deveria ter seus 25 anos, nos abordou desesperadamente pedindo ajuda. Disse que queria sair das drogas e queria imediatamente ser levado para uma clínica de reabilitação. O grupo se reuniu e começou a ligar, até conseguir espaço em uma casa localizada no município de Benevides, a 30 quilômetros de Belém. O dinheiro arrecadado pagou o combustível para a viagem. A Trupe não pensou duas vezes em ajudar.

Reportagem: Trayce Melo.

Edição de texto: Antonio Carlos Pimentel.

LeiaJá também:

Cidade dos invisíveis: a vida e a dor de quem mora na rua

 

COMENTÁRIOS dos leitores