Para Lula, falta vontade política para vencer desigualdade
Segundo Lula, atualmente a fome atinge 735 milhões de seres humanos. O presidente brasileira abriu pela 8ª vez a Assembleia Geral da ONU
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a crescente desigualdade no mundo, cobrou financiamento dos países ricos para a luta contra a crise climática e repudiou o uso de imigrantes como "bodes expiatórios" por "aventureiros de extrema direita", em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, nesta terça-feira (19).
Em um pronunciamento de pouco mais de 20 minutos, o líder brasileiro repetiu os temas que já haviam marcado seus discursos em outros fóruns multilaterais, como o Brics, o G20 e o G77, e foi aplaudido sete vezes pelo plenário da ONU.
"A fome, tema central da minha fala neste parlamento mundial 20 anos atrás, atinge hoje 735 milhões de seres humanos, que vão dormir sem saber se terão o que comer amanhã. O mundo está cada vez mais desigual, e os 10 maiores bilionários possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade.
O destino de cada criança que nasce neste planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe", disse Lula.
Segundo o presidente, é preciso "vencer a resignação que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural". "Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo", ressaltou.
Lula ainda alertou que a Agenda 2030, "mais ampla e ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento", pode se transformar "em seu maior fracasso", com o mundo "ainda distante das metas definidas".
"A maior parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável caminha em ritmo lento. O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado", frisou.
O presidente também prometeu "não medir esforços" para colocar esse tema no centro da agenda internacional durante a presidência brasileira no G20, com o lema "Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável".
"Somente movidos pela força da indignação poderemos agir com vontade e determinação para vencer a desigualdade e transformar efetivamente o mundo a nosso redor", afirmou.
Brasil de volta
Durante o discurso, Lula também destacou que sua eleição no ano passado se deu "graças à vitória da democracia" no Brasil, superando "o ódio, a desinformação e a opressão".
"O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo. Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais", declarou.
Além disso, o presidente ressaltou que os "escombros do neoliberalismo" deram origem a "aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas", impulsionando um "nacionalismo primitivo, conservador e autoritário".
"Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores. Precisamos resgatar as melhores tradições humanistas que inspiraram a criação da ONU", disse.
Clima
Lula ainda aproveitou a ocasião para cobrar mais uma vez os países ricos pelo descumprimento da promessa de criar um fundo global de US$ 100 bilhões por ano para ajudar o mundo emergente na luta contra a crise climática.
"A promessa de destinar US$ 100 bilhões para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma longa promessa. Hoje esse valor seria insuficiente para uma demanda que já chega à casa dos trilhões de dólares", disse.
Segundo Lula, os países emergentes não querem repetir o modelo de desenvolvimento das nações ricas, baseado em "altas taxas de emissões de gases danosos ao clima".
"No Brasil, já provamos uma vez e vamos provar de novo que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível. Estamos na vanguarda da transição energética, e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo", afirmou o presidente, lembrando que o desmatamento na Amazônia caiu 48% nos primeiros oito meses de 2023.
Ucrânia e crise do multilateralismo
No discurso na ONU, Lula alertou que o multilateralismo "vem sendo corroído" e que a "representação desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável".
De acordo com o presidente, a ampliação do Brics buscará "acomodar a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21, em prol de um comércio global mais justo".
Além disso, Lula destacou que o Conselho de Segurança da ONU "vem perdendo progressivamente sua credibilidade", situação que "decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime".
A declaração pode ser entendida também como uma referência implícita à Rússia, a qual Lula não mencionou durante o discurso.
"A guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz, mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações", afirmou.
Por outro lado, Lula criticou a imposição de "sanções unilaterais, que causam grandes prejuízos à população dos países afetados e dificultam os processos de mediação de conflitos". O presidente ainda disse que é preciso renovar as "instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz" e que a "paralisia" do Conselho de Segurança é "a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia".
*Da Ansa