O São João de 2014 tem uma novidade triste: é o primeiro, desde a década de 1950, sem a presença do mestre da sanfona Dominguinhos. Do começo precoce no interior de Pernambuco, passando pelo apadrinhamento de Luiz Gonzaga, até a consagração como músico eclético e de enorme sensibilidade harmônica e melódica, Dominguinhos deixou uma marca importante na musicalidade brasileira e acumulou respeito por onde passou.
José Domingos de Morais, já popular - apesar de ainda muito jovem - no município de Garanhuns como 'Neném do Acordeon', conheceu o Rei do Baião ainda jovem e, a partir desse primeiro encontro, seu destino mudaria. Simplicidade, talento, tradição e sucesso seria seu próximo embate com o público e a história da Música Popular Brasileira (MPB).
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Foi no hotel Tavares Correia, em Garanhuns, que o menino Domingos conheceu Luiz Gonzaga. Com seus dois irmãos, Moraes na sanfona e Valdomiro na zabumba, formava um trio, Os Três Pinguins, e tocavam nas portas de hotéis, nas feiras da cidade, nas praças ou nos botequins em troca de dinheiro. Porém, naquele dia, em 1948, o trio foi chamado para fazer sua apresentação dentro do hotel, para Luiz Gonzaga e sua banda. Impressionado com a aptidão de José Domingos, o Mestre Lua convidou o menino para ir à sua casa, no Rio de Janeiro.
O reencontro com Luiz Gonzaga demoraria a acontecer. Apenas em 1954, com as dificuldades que a família passava em Garanhuns, seu pai, Chicão, decidiu ir ao Rio de Janeiro em busca de Gonzaga. Neném, com 13 anos de idade, faria a viagem mais longa da sua vida até então: 11 dias de pau de arara.
Ao chegar ao bairro em que Gonzaga vivia, Méier, zona norte do Rio, Neném do Acordeom foi batizado pelo mestre com uma Sanfona de 80 baixos. Foi com esse apoio e recepção que ele começou a frequentar a casa de Luiz, acompanhar os shows e com 16 anos gravou sua primeira música com o padrinho, Festa no Escuro, uma das canções mais tocadas em festejos junino até os dias de hoje.
Neném do Acordeon não se acomodou. Participava de programas de rádio e se apresentava em casas noturnas para poder manter seu sonho. Porém, foi apenas em 1957 que receberia seu nome artístico Dominguinhos, escolha feita por Luiz Gonzaga. Entre 1957 e 1958, Dominguinhos faz a primeira formação do grupo Trio Nordestino. Na época, o trio era formado também por Miudinho e Zito Borborema. Ainda em 1958, Dominguinhos casou com Janete, sua primeira esposa, com quem teve os filhos Mauro e Madeleine.
Foi em 1964 que Dominguinhos gravou seu primeiro LP, Fim de Festa. Não demorou muito para gravar mais dois discos, Cheinho de Molho e 13 de Dezembro. Em 1967, ele volta a participar do grupo de Gonzaga e viaja pelo Nordeste. Na época Dominguinhos, além de sanfoneiro, também quebrava o galho da equipe como motorista. Durantes essas viagens e apresentações, Dominguinhos conheceu Anastácia, cantora e compositora com quem fez parceria durante onze anos. Juntos fizeram mais de 200 canções, entre elas a consagrada Eu Só Quero um Xodó.
Dominguinhos já tinha uma reputação dentro da Bossa Nova, do Jazz e da MPB daquela década. Nara Leão, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Elba Ramalho, Gal Costa, Chico Buarque, Toquinho e Djavan, entre outros artistas renomados da música brasileira, fizeram parceria e obras de sucesso com o sanfoneiro pernambucano.
Já no final dos anos 1970, Dominguinhos conhece a cantora Guadalupe Mendonça, com quem se casa dez anos depois, tendo como fruto dessa união Liv Moraes, hoje também uma cantora. E foi com muita garra, determinação, talento e coragem, que Dominguinhos conseguiu empoderar a cultura nordestina em todo o Brasil.
Agora, em tempos juninos, a festa, a sanfona, a tradição, são sempre remetidas ao Rei, Luiz Gonzaga, e ao Príncipe, Dominguinhos. Os dois estão imortalizados na música popular brasileira, na música popular pernambucana e é praticamente impossível não relembrar deles nessa época do ano, ainda mais por ser um São João tristonho, com uma brecha, com o ar de 'tá faltando alguma coisa...' E é ele, Dominguinhos.
Curiosidades:
A canção Gostoso de Mais tornou-se inesquecível na voz de Maria Bethânia. A composição, dividida com Nando Cordel, também foi executada de Dominguinhos e Ivete Sangalo, entre diversos nomes consagrados da música brasileira. (Foto: TV Globo/Zé Paulo Cardeal)
Um de seus grandes sucessos, Eu Só Quero Um Xodó, composta para a Rainha do Xaxado, Marinês, foi gravada por Gilberto Gil em 1974.
Ainda com Gil, compôs os clássicos Lamento sertanejo e Abri a porta.
O Pátio de eventos da cidade de Garanhuns chama-se Esplanada Cultural Mestre Dominguinhos. No local acontece um dos maiores festivais de Inverno do estado de Pernambuco (FIG). Antes, a praça era conhecida como Praça Esplanada Cultural Guadalajara.
Seu irmão, Moraes, foi o primeiro sanfoneiro da família.
Dominguinhos tinha medo de viajar de avião e só fazia seu percurso de carro, seja pra onde fosse. Bem-humorado, ele conta sobre o 'conselho' que Luiz Gonzaga lhe deu: “Dominguinhos, esse aqui é o melhor transporte do mundo! Veja você, aqui nós levamos alegria para o povo. Tocando em praça pública, em qualquer canto... Aqui viaja José Sarney, aqui viaja Antônio Carlos Magalhães... O avião não cai com essas pestes, vai cair com a gente?”. Esse relato foi feito por Dominguinhos no programa do Jô, em 2010.
O primeiro Forró que Dominguinhos gravou com Luiz Gonzaga foi o Forró no Escuro. Dominguinhos tinha 16 anos.
A música De volta pro aconchego, que se popularizou nacionalmente na voz de Elba Ramalho, foi trilha sonora da novela Global Roque Santeiro.
Chico Buarque gravou com Dominguinhos Isso aqui tá bom demais, tema de sinhozinho Malta, papel de Lima Duarte na novela Roque Santeiro, da TV Globo.
“Com 8 anos tocava pandeiro, com 9 anos passei pra sanfona de 8 baixos e com 11 passei a tocar o acordeon”, revelou Dominguinhos no programa do Jô, exibido na Tv Globo, em 2010.
Prêmios:
2002 - Dominguinhos foi vencedor do Grammy Latino com o CD Chegando de Mansinho
2007 - Prêmio TIM na categoria Melhor Cantor Regional, graças ao CD Conterrâneos
2007 - Concorreu ao 8º Grammy Latino com mesmo álbum na categoria melhor disco regional
2008 - Dominguinhos foi o grande homenageado do Prêmio Tim de Música Brasileira
2010 - Foi o vencedor do Prêmio Shell de Música 2010
2012 - Ganhou mais um Grammy Latino, na categoria de Melhor Álbum de Raiz Brasileiro, com o CD e DVD Iluminado
Mausoléu
“Estou de volta pro meu aconchego... Trazendo na mala bastante saudade. Querendo um sorriso sincero, um abraço, pra aliviar meu cansaço...” E assim foi feita a vontade do Mestre Dominguinhos, enterrado na sua terra natal, Garanhuns, no bairro Boa Vista, no cemitério São Miguel. O mausoléu feito pela prefeitura local pode ser visitado por parentes, fãs e turistas que chegam a Pernambuco. Inicialmente Dominguinhos foi enterrado na Morada da Paz, em Paulista, porém seu filho, Mauro Moraes reivindicou a vontade do pai após ouvir num programa de rádio um depoimento que Dominguinhos teria dado ao afirmar que queria ser sepultado em Garanhuns.
Polêmica
Dominguinhos morreu no dia 23 de julho e foi enterrado no dia 25 de julho no Morada da Paz, em Paulista, Região Metropolitana do Recife. O músico e filho de Dominguinhos, Mauro José Silva de Moraes, entrou com uma ação para que o corpo do seu pai fosse exumado e levado para ser enterrado em Garanhuns. “Entrei com a decisão no Fórum de Paulista para poder transferir o corpo dele. A juíza ouviu a outra parte, Liv, bateu o martelo e deu a causa como ganha para ocorrer o traslado do meu pai”, narrou Mauro Moraes, na época, ao Leia Já. O corpo de Dominguinhos foi levado em carreata para Garanhuns no dia 26 de Julho.
Depoimentos
“Você é mais novo do que eu e é uma inspiração pra mim, por que é fiel a suas origens e toca essa sanfona pra lascar”, depoimento do Mestre Sivuca no documentário O Milagre de Santa Luzia, longa feito por Sérgio Roizenblit e conduzido por Dominguinhos por todo o país.
“Dominguinhos era uma pessoa muito querida. Como pessoa ele era muito bom. Ele era uma pessoa doce e eu fiquei muito triste, pois acho que ele foi cedo demais”, homenageou que o apresentador Ratinho, do SBT, no dia do seu falecimento.
“Essa homenagem super merecida a ele, que transcendeu os limites geográficos com a sua sanfona, que foi universal e sempre cantando a sua tribo, sempre cantando o Nordeste, Dominguinhos, que deixou uma lição de vida não só como músico, mas enquanto pessoa”. Lucy Alves, que teve a oportunidade de conhecer um pouco da genialidade de Dominguinhos, fala sobre o Mestre no Troféu Gonzagão 2014, em que homenageou o pernambucano na sua última edição.
“Conheci Dominguinhos na terra do pai, em Exú, nos anos 1980. Como tinha uma relação bem estreita com Gonzaga, acabei conhecendo Dominguinhos. E, com isso, sempre conversava com ele e o tinha como amigo”, falou, emocionado, o cantor Santanna ao Leia Já.
“Ele virou ícone na música popular brasileira. Ele é rei. Apesar de tudo que aconteceu com as brigas familiares, ele voltou para sua terra natal. Ele agora voltou pro berço dele”, comentou Maciel Melo ao Leia Já na época do falecimento do cantor.
"Foi o único músico que me fez realmente ficar emocionado durante as gravações", disse Geraldo Azevedo. "A brecha que Dominguinhos deixa nunca mais ninguém vai preencher", finalizou. O depoimento foi dado durante o velório de Dominguinhos, na Assembleia Legislativa.
"Fica o exemplo para os meninos que estão aí. Dominguinhos era um homem doce e um músico maravilhoso. Estou sentindo como se tivesse perdido um irmão", fala o sanfoneiro Camarão.
“Dominguinhos deixa um legado na cultura brasileira, o filme tenta preservar essa memória e compartilhar com o mundo”, Deborah Osborn. Produtora executiva do documentário “Dominguinhos”.
''Aprendi muito com ele... Na vida e nos palcos.'', Liv Moraes, Filha de Dominguinhos.
Discografia
1964 – Fim de Festa
1965 – Cheinho de Molho
1966 – 13 de Dezembro
1973 – Lamento de Caboclo
1973 – Tudo Azul
1973 – Festa no Sertão
1974 – Dominguinhos e Seu Acordeon
1975 – Forró de Dominguinhos
1976 – Domingo, Menino Dominguinhos
1977 – Oi, Lá Vou Eu
1978 – Oxente Dominguinhos
1979 – Após Tá Certo
1980 – Quem me Levará Sou Eu
1981 – Querubim
1982 – A Maravilhosa Música Brasileira
1982 – Simplicidade
1982 – Dominguinhos e Sua Sanfona
1983 – Festejo e Alegria
1985 – Isso Aqui Tá Bom Demais
1986 – Gostoso Demais
1987 – Seu Domingos
1988 – É Isso Aí! Simples Como a Vida
1989 – Veredas Nordestinas
1990 – Aqui Tá Ficando Bom
1991 – Dominguinhos é Brasil
1992 – Garanhuns
1993 – O Trinado do Trovão
1994 – Choro Chorado
1994 – Nas Quebradas do Sertão
1995 – Dominguinhos é Tradição
1996 – Pé de Poeira
1997 – Dominguinhos & Convidados Cantam Luiz Gonzaga
1998 – Nas Costas do Brasil
1999 – Você Vai Ver o Que É Bom
2001 – Dominguinhos Ao Vivo
2001 – Lembrando de Você
2002 – Chegando de Mansinho
2004 – Cada um Belisca um Pouco (com Sivuca eOswaldinho do Acordeon) -Selo Biscoito Fino
2005 – Elba Ramalho & Dominguinhos: Baião de Dois
2006 – Conterrâneos
2007 – Canteiro (participação especial no CD de Margareth Darezzo)
2007 – Yamandu + Dominguinhos
2009 - Ao vivo em Nova Jerusalém (DVD)
2010 - Lado B - Dominguinhos e Yamandú Costa
2010 – Iluminado