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Forte das Cinco Pontas, bairro de São José, área central do Recife. É noite, mas, por sorte, não é meia-noite nem lua cheia. O guarda municipal Edvaldo Santos, de 49 anos, fecha a pesada porta de grandes ferrolhos. Naquele momento, ele está só. Quer dizer, está acompanhado apenas das dezenas de espíritos que habitam o local.
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Construído em 1630, com recursos captados pelo holandês Frederick Hendrick, o Príncipe de Orange, tio de Maurício de Nassau, o Forte das Cinco Pontas, que hoje possui só quatro pontas, é um dos monumentos mais representativos do patrimônio colonial brasileiro. Foi criado para controlar o suprimento de água, com a proteção de cacimbas, e assegurar que carregamentos de açúcar transportados pelo Rio Capibaribe chegassem ao Porto do Recife sem sofrer ações de piratas.
Naquele mesmo século, a estrutura passou para o domínio português. Também foi prisão, com detidos confinados em calabouços subterrâneos chamados de “cemitérios vivos”. Aquela prisão foi encerrada por ordem de Gervásio Pires Ferreira, que dirigia a Junta do Governo Provisório de Pernambuco. A fortaleza teve entre seus presos Frei Caneca, que ficou no local no dia anterior à sua morte por arcabuz, e, em outra época, o escritor Graciliano Ramos, autor de Vidas Secas e Memórias do Cárcere. O forte ainda foi quartel general no período militar.
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- Você não se incomoda se for acusado de estar mentindo ou vendo coisas?
A pergunta provoca um rápido riso debochado no guarda municipal, talvez um incômodo de estar sempre sendo questionado mesmo tão seguro. Caminhando pelos corredores, ele vai indicando os pontos em que já viu ‘assombrações’. O pagode alto que toca em alguma casa de festa próxima soa anti-climático e reconfortante. “Eu tenho a plena consciência de que estava são, tranquilo, numa boa, e simplesmente as coisas acontecem de uma maneira que foge ao seu controle e, eu sei, foge até ao natural. Mas se alguém discordar, jamais vai mudar minha visão”, conta Edvaldo Santos.
O guarda soma oito anos trabalhando no Forte das Cinco Pontas. Já é conhecido pelas experiências sobrenaturais que viveu, as conta com naturalidade. São barulhos, vultos, batidas, mas não só. Há visões nítidas: mulheres com metade do rosto em caveira ou soldados sem as pernas são algumas delas.
O servidor Edson Barbosa de Lima, de 47 anos sendo 27 deles trabalhando no local, também compartilha experiências. Nunca viu, mas sempre ouve barulho em cômodos que estão vazios. “Eu me arrepio, mas já me acostumei”, salienta.
Edson lembra da estagiária que passou apenas um dia trabalhando lá porque viu um fantasma. Edvaldo recorda do guarda municipal que escutou o som de vários objetos caindo e quando abriu a sala estava tudo no lugar - já perto de se aposentar, o homem nunca mais voltou a trabalhar lá.
O historiador do Museu da Cidade do Recife, localizado dentro do Forte, Sandro Vasconcelos, trabalha no mesmo endereço há dez anos, nunca viu fantasma, porém não duvida. O pesquisador ressalta que a história da fortaleza está fortemente atrelada a batalhas e mortes. Além disso, por estar sob o domínio militar no período da ditadura, há suspeitas de que foi palco de torturas.
“Até onde sabemos, não. Mas como era um Quartel General do Exército, os registros ficaram com o exército, não temos vestígios. Mas provavelmente sim, se observarmos a história, fortes como esse foram locais de pessoas presas e provavelmente torturadas”, argumenta Sandro Vasconcelos.
Apesar de ser um dos pontos do roteiro turístico Recife Assombrado, a fama sobrenatural do forte ainda é desconhecida. Não há referências na internet sobre todos esses casos conhecidos por funcionários dos museus. É como se a Prefeitura do Recife temesse que o museu ganhasse uma imagem de mal-assombrado. A assessoria do museu, por exemplo, mostrou grande preocupação quando soube que a reportagem entrevistou dois funcionários. O historiador do local receia que valorizar o lado místico seja sair da proposta do museu, mas reflete: “Talvez pensar em alguma proposta em cima disso seja uma forma interessante de lidar. É algo a se estudar”, conclui.