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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ao Congresso Nacional que retire de tramitação o Projeto de Lei 191/2020, que foi assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para permitir garimpo e outras explorações industriais em terras indígenas. O pedido de Lula está formalizado em mensagem publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira (31).

Enviado ao Congresso por Bolsonaro em fevereiro de 2020, o projeto foi criticado por ambientalistas, classe artística, Ministério Público e políticos. Mesmo assim, chegou a avançar na Câmara. Em março do ano passado, ganhou tramitação sob o regime de urgência, depois da aprovação de requerimento apresentado pelo então líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR). Com isso, o projeto está pronto para seguir um rito célere, indo direto para votação em plenário, sem precisar passar por comissões.

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O texto de Bolsonaro prevê "estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas".

A duas semanas do fim da gestão, o governo Jair Bolsonaro (PL) editou uma instrução normativa nesta sexta-feira (16), que libera a exploração de madeira em terras indígenas. O documento foi assinado pelos presidentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Eduardo Bim, e da Fundação Nacional do Índio, Marcelo Augusto Xavier. 

A instrução autoriza o chamado “manejo florestal sustentável madeireiro” por organizações indígenas ou “composição mista”, que pode ser formada também por não indígenas.

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No entanto, o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), através do futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, para barrar os efeitos da decisão. "Esses retrocessos serão todos revogados, anulados, para que os indígenas comandem as suas terras em razão do que a Constituição manda”, garantiu. 

De acordo com a Carta Capital, a Funai se manifestou por nota e afirmou que a anulação se trata de uma reivindicação antiga de diversas etnias que vai dar “mais autonomia para os indígenas, possibilitando ampliar a geração de renda nas aldeias de forma sustentável”. 

A Articulação de Povos Indígenas (Apib) afirmou que a medida “descaracteriza a autodeterminação dos povos indígenas, pois abre-se um precedente deletério à autonomia dos indígenas e suas organizações em gerir seus territórios”. Ainda segundo a articulação, a decisão “retroalimenta a violência aos povos indígenas, inclusive aos isolados e de recente contato, colocando-os em situação de risco de vida”. 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, retirou da pauta do plenário o julgamento sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A decisão do ministro gerou o quarto adiamento consecutivo do caso, que estava marcado para ir à votação no próximo dia 23. A Articulação dos Povo Indígenas do Brasil (Apib) havia convocado uma marcha até Brasília nesta data para acompanhar a análise do processo.

O coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena, disse ao Estadão que a decisão de Fux não desmobiliza o movimento organizado contra o marco. "O julgamento era bastante esperado pelos povos indígenas, isto porque muitos processos demarcatório estão pendentes esperando decisão do STF", afirmou.

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"Infelizmente, o tempo corre a favor do agronegócio. Esperando que o STF siga firme e comprometido com o que a Constituição garante aos povos indígenas, pois sabemos que o presidente Jair Bolsonaro estava pressionando, inclusive ameaçando não cumprir decisão do Supremo, caso a decisão fosse contra o marco temporal", completou.

O julgamento é tido como crucial por lideranças indígenas e por agentes do agronegócios porque pode impor um fim à tese do marco temporal, que defende a demarcação de terras indígenas apenas se ficar comprovado que as comunidades tradicionais ocupantes da área em disputa na Justiça estavam, de fato, naquele território na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Na prática, o reconhecimento do marco impede que milhares de aldeados tenham suas terras registradas pelo Estado, ficando sujeitos à expropriação.

Em junho do ano passado, o julgamento do recurso extraordinário sobre o marco temporal foi interrompido por um pedido de destaque (encaminhamento ao plenário físico) do ministro Alexandre de Moraes. O caso começou a ser votado presencialmente ainda naquele mês, mas precisou ser suspenso por causa do recesso no Poder Judiciário. A votação foi retomada em setembro, porém, houve nova interrupção, dessa vez por um pedido de vista (mais tempo de análise) apresentado por Moraes.

O julgamento do marco temporal se tornou um dos principais argumentos do presidente Jair Bolsonaro (PL) para atacar o Supremo. Nesta terça-feira, 31, o chefe do Executivo criticou a possível votação dos prazos legais para demarcação das terras indígenas no País e disse que "alguns" tentam mudar o regime democrático brasileiro, em referência aos ministros da Corte.

No final do ano passado, Bolsonaro chamou o relator da ação, ministro Edson Fachin, de "leninista" por votar contra a tese de que a data de promulgação da Constituição de 1988 serviu de baliza para definir todas as comunidades tradicionais com direito à demarcação. O termo se refere aos apoiadores do líder comunista Vladmir Lenin, líder da Revolução Russa de 1917. O presidente tem argumentado que a rejeição ao marco temporal pode inviabilizar o agronegócio brasileiro e afetar a segurança alimentar no País.

Nesta quinta-feira (24), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reuniu-se com os ex-ministros do Meio Ambiente Carlos Minc, Izabella Teixeira, Sarney Filho e José Carlos Carvalho. Eles integram um fórum que busca influir em debates no Congresso Nacional sobre temas sensíveis como mineração em terras indígenas (tema do PL 191/2020), licenciamento ambiental (PL 2.159/2021) e regularização fundiária (PL 2.633/2020 e PL 510/2021). 

"Os ex-ministros vieram pontuar questões relativas ao meio ambiente que são, obviamente, uma pauta importante hoje do Senado Federal e do Congresso Nacional. Quero dizer, e disse isso a eles, que é muito interessante esse fórum que congrega ex-ministros de Estado dessa área de diversos governos, desde o governo de presidente Collor até o último governo, e todos no objetivo de contribuir para essa pauta do meio ambiente no Brasil", disse Pacheco. 

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O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também participou do encontro.  Para o presidente do Senado, um grande desafio para o país é conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente. Ele defendeu a modernização da legislação de licenciamento ambiental e disse que o Parlamento está tratando de temas como a liberação de agrotóxicos (presente no PL 6.299/2002), a regularização fundiária e a mineração em terras indígenas. 

"Cada um desses projetos deve merecer uma ampla discussão e um amplo aprofundamento. O que eu afirmei ao fórum de ex-ministros de Meio Ambiente é o compromisso da Presidência do Senado de permitir o exaurimento dessa discussão no âmbito do Senado, por meio das audiências públicas, das sessões de debate temáticos, de uma participação muito ativa das comissões de Agricultura e do Meio Ambiente da Casa, de fato esgotando os pontos relativamente a isso", pontuou. 

O ex-ministro Carlos Minc agradeceu a atenção de Pacheco e outros senadores e disse que o apelo foi ouvido pelo presidente do Senado. "Achamos que o nosso apelo caiu em ouvido receptivo. Nós representamos mais de 30 anos de gestão ambiental no Brasil", disse Carlos Minc, ressaltando que o fórum reúne nove ex-ministros do Meio Ambiente. 

Pacheco pediu ao ex-ministros que estudem cada projeto em tramitação no Congresso relacionado ao meio ambiente e apresentem sugestões de melhorias. Para ele, a regularização fundiária, por exemplo, tem de ser feita, mas não pode “ser um passe livre para a apropriação de terras públicas no futuro”. 

"Eu acho perfeitamente possível nós buscarmos compatibilizar a pujança do nosso agronegócio com a preservação do meio ambiente no Brasil. (...) são ideias que eu considero muito inteligentes e eu considero que existe uma falsa dicotomia entre preservação de meio ambiente e desenvolvimento econômico", afirmou.  No começo do mês, o presidente do Senado recebeu artistas representantes do Ato pela Terra, com pautas similares às trazidas pelos ex-ministros. 

*Da Agência Senado

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), uma organização privada que reúne as principais empresas do setor, criticou o projeto de lei 191/2020, que prevê a exploração de terras indígenas por projetos minerais, além de sua abertura para empreendimentos de infraestrutura e agronegócio.

Por meio de nota, o instituto afirmou que "entende que o PL 191/2020, encaminhado pelo poder Executivo ao Congresso Nacional, não é adequado para os fins a que se destina, que seria regulamentar o dispositivo constitucional que prevê a possibilidade de implantação de atividades econômicas em terras indígenas como geração de energia, produção de óleo, gás e mineração".

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Trata-se, na prática, de uma crítica à proposta tal qual foi apresentada, e não contra a mineração em si, dentro dessas áreas demarcadas. "Uma vez que a mineração em terras indígenas está inscrita na Constituição Federal, artigos 176 e 231, a sua regulamentação precisa ser amplamente debatida pela sociedade brasileira, especialmente pelos próprios povos indígenas, respeitando seus direitos constitucionais, e pelo Parlamento brasileiro", afirma o Ibram.

O instituto diz que "a mineração industrial pode ser viabilizada em qualquer parte do território brasileiro, desde que condicionada aos requisitos de pesquisa geológica, estudos de viabilidade econômica, licenças ambientais embasadas em estudos e outras autorizações previstas em lei, de modo a preservar a vida e o meio ambiente, em especial na Amazônia, evitando o desmatamento".

Segundo o Ibram, "no caso de mineração em terras indígenas, quando regulamentada, é imprescindível o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) dos indígenas".

Essa consulta é um princípio previsto na Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu artigo 169, e outras diretivas internacionais que definem que cada povo indígena, considerando sua autonomia e autodeterminação, pode estabelecer seu próprio protocolo de consulta para autorizar as atividades que impactem suas terras e seus modos de vida.

"É importante destacar que o Ibram condena qualquer atividade de garimpo ilegal em terras indígenas, na Amazônia ou em qualquer parte do território nacional, e acredita que esta atividade deve ser rigorosamente combatida e seus promotores responsabilizados penalmente. A preservação da Amazônia é condição necessária para as discussões de todos os temas relativos à mineração no Brasil", afirmou o instituto.

Na semana passada, a Coalização Brasil Clima, movimento que reúne 324 nomes de companhias ligadas a diversos setores - como o agronegócio e financeiro - também criticou publicamente o projeto de lei que autoriza o acesso irrestrito de exploração de terras indígenas.

Por meio de uma nota pública, o grupo declarou que "a integridade ambiental das terras indígenas, áreas importantíssimas para a estabilidade climática e proteção da diversidade cultural do país, pode estar em risco se a Câmara dos Deputados aprovar, sem discussões mais aprofundadas e melhorias substanciais, o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que permite a lavra de recursos minerais, a construção de hidrelétricas e a agricultura industrial naqueles territórios".

A Câmara dos Deputados aprovou o requerimento para que o projeto seja votado em regime de urgência pelo Plenário, ou seja, sem passar por nenhuma de suas comissões técnicas. A proposta final do PL 191 será submetida a um Grupo de Trabalho (GT) formado para analisar o mérito da matéria. Após a aprovação do parecer do relator do GT, o projeto será analisado no Plenário da Casa. De acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), isso deve ocorrer até a primeira quinzena de abril. Se for aprovado pela Câmara, o texto seguirá para o Senado.

A Câmara, sob o comando do presidente Arthur Lira (PP-AL), aprovou, nesta quarta-feira (9), o requerimento de urgência do projeto de lei que libera a exploração de minérios em terras indígenas, incluindo áreas que habitam povos isolados. Foram 279 votos a favor da urgência, outros 180 contrários e três abstenções. A proposta, porém, será submetida a um Grupo de Trabalho (GT) formado para analisar o mérito da matéria. Só após a aprovação do parecer do relator do GT, o PL será analisado no Plenário da Casa. De acordo com Lira, isso deve ocorrer até a primeira quinzena de abril.

O projeto é uma demanda direta do governo Jair Bolsonaro (PL), que argumenta que, ao aprovar o projeto, será possível extrair potássio nessas áreas para produzir fertilizante para o agronegócio brasileiro, hoje dependente da importação de produtos vindos em sua maioria da Rússia. Trata-se de falácia. A maioria absoluta do potássio nacional, como mostrou reportagem do Estadão e estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fica fora de terra indígena.

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O projeto de lei 191/2020 determina as condições na quais poderá haver a pesquisa e a lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas. O texto estabelece que haja consulta das comunidades indígenas afetadas pelas atividades de exploração mineral ou geração de energia, mas não há poder de veto pelos indígenas.

Pelo texto, que ainda precisa ser aprovado para, então, seguir ao Senado, as comunidades indígenas com terras exploradas economicamente receberiam participação nos resultados, conforme o tipo de exploração comercial. Não se trata apenas de mineração. O projeto libera também produção do agronegócio, instalação de usinas, exploração de gás e petróleo, além de abertura de estradas e ferrovias.

Durante toda a quarta-feira, houve forte mobilização em Brasília contra o avanço desta e de outras medidas que miram o meio ambiente. Dezenas de artistas e líderes de organizações da sociedade civil realizaram uma manifestação contra o pacote de projetos que flexibilizam leis ambientais. O "Ato pela Terra contra o pacote da destruição", liderado pelo cantor e compositor Caetano Veloso, incluiu a entrega de um documento à ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber e uma carta ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O presidente da Câmara, porém, apoiado pela bancada ruralista e parlamentares ligados ao governo Bolsonaro, ignorou a mobilização que reuniu milhares de pessoas em frente ao Congresso e seguiu com a deliberação de urgência sobre a exploração em terras indígenas.

Levantamento feito pelo Estadão mostra que, no Amazonas, a maioria das principais minas de potássio, substância usada em fertilizantes para o agronegócio, está localizada fora de terras indígenas. Os dados contrariam declarações do presidente Jair Bolsonaro, que tem defendido a aprovação de projeto de lei que libera a mineração em áreas demarcadas como forma de superar a dependência brasileira da Rússia no acesso a fertilizantes.

Bolsonaro alega que os locais mais importantes para extração de potássio do Brasil estão bloqueados por estarem dentro de aldeias. "Como deputado, discursei sobre nossa dependência do potássio da Rússia. Citei três problemas: ambiental, indígena e a quem pertencia o direito exploratório na foz do Rio Madeira. Nosso Projeto de Lei 191 permite a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas. Uma vez aprovado, resolve-se um desses problemas", disse o presidente na semana passada.

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Para pressionar o Congresso, o líder do governo pediu então urgência na votação do projeto de lei. Ontem, Bolsonaro voltou a dizer que a guerra entre Rússia e Ucrânia trouxe uma "boa oportunidade" para o Brasil aprovar a exploração de terras indígenas.

Desde a foz do Rio Madeira, que deságua no Rio Amazonas, passando por municípios como Autazes, Nova Olinda do Norte e Borba, há dezenas de áreas, em diferentes etapas de pesquisa mineral, em nome da Petrobras e da companhia Potássio do Brasil, controlada pelo banco canadense Forbes & Manhattan. As duas empresas praticamente controlam os projetos de potássio na região, concentrando a maioria dos títulos minerários do insumo.

Esses dados fazem parte do levantamento feito pela reportagem nos registros de pedidos de pesquisa e lavra de potássio ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM). O Estadão também solicitou à Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM) que elaborasse um mapa com pedidos ativos ao longo da calha do Rio Madeira, no Amazonas, que concentra as maiores minas de potássio do Brasil. Foi feito cruzamento com a localização das terras indígenas da região.

O resultado mostra que não há sobreposição na imensa maioria dos casos, o que significa que não são as terras indígenas que impedem a exploração de potássio no País. O levantamento mostra que um pequeno número de blocos de exploração teria impacto direto em terras demarcadas, como ocorre na região de Nova Olinda do Norte, em áreas que estão em fase de pesquisa na região das terras indígenas Gavião, Jauary e Murutinga/Tracajá.

LEGISLAÇÃO

Presidente da ABPM, Luís Maurício Ferraiuoli Azevedo afirmou que a questão indígena não tem sido entrave aos projetos. "O que nós vemos são essas áreas de amortecimento no entorno das minas, não impacto direto. A prova está aí, nos dados. O que é preciso é que haja uma análise técnica de cada empreendimento, apenas isso", disse ele.

Pelas regras do licenciamento ambiental, quando um empreendimento é instalado numa área próxima a terras indígenas e comunidades ribeirinhas, por exemplo, situações comuns ao longo do Rio Madeira, é preciso que o processo de autorização da obra contemple medidas para reduzir os impactos, já que são áreas que serão afetadas de alguma maneira pela exploração, com aumento de tráfego, poluição, ruídos etc. Para chegar a um acordo sobre compensações ambientais, realizam-se audiências públicas previamente à instalação do empreendimento. Isso não significa, portanto, que ele seja inviável. Basta que se cumpra a lei.

Apesar de boa parte do registro de exploração das reservas de potássio ser antiga, elas não são exploradas. Procurada, a Potássio do Brasil declarou que seu projeto na região de Autazes obteve licença prévia do governo estadual, mas que esta foi suspensa num acordo na Justiça Federal para que houvesse a consulta prévia ao povo indígena mura, que habita áreas a 8 quilômetros de distância do projeto. Trata-se de consulta obrigatória para busca de um acordo em relação ao impacto na região, mas não de inviabilidade do projeto, uma vez que não há sobreposição.

"Assim que a licença de instalação for obtida pela Potássio do Brasil, as obras de implantação do projeto serão iniciadas", afirmou a empresa. "A Potássio do Brasil tem como princípio respeitar as normas ambientais e os direitos dos povos indígenas e tradicionais e reconhece a importância da consulta prévia, livre e informada ao povo mura."

A reportagem questionou a Petrobras sobre as razões de a empresa manter dezenas de títulos minerários de potássio desde os anos 1970 na região, e quais as expectativas de exploração dessas áreas. Em nota, a companhia disse apenas que "mantém títulos de lavra e de pesquisa com potencial de potássio na Bacia do Amazonas" e que "estuda alternativas para os ativos, considerando sua estratégia de negócio".

O presidente da ABPM critica o fato de a Petrobras ter títulos minerários, mas não explorá-los. "A Petrobras está parada há mais de uma década com essas áreas. O que nós vemos é que esse é um negócio pequeno demais para a empresa, que tem saído de poços maduros de petróleo e ido para o pré-sal. O potássio seria uma distração para a empresa. Então, se ela não quer, tem que vender", disse Azevedo.

Em 2008, por pressão do Palácio do Planalto e da então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a Petrobras voltou atrás em um negócio estimado em US$ 150 milhões que previa a venda de parte de uma mina de potássio em Nova Olinda do Norte, para a empresa canadense Falcon, também controlada pelo banco Forbes & Manhattan. O negócio acabou sendo cancelado, e a Petrobras se viu obrigada a pagar uma multa para rescindir o acordo. À época, declarou que "a alta administração, por razões estratégicas, decidiu não prosseguir com a venda".

JAZIDAS

O potássio é um elemento químico usado, majoritariamente, na agricultura, mas também tem aplicações na medicina e equipamentos de respiração, entre outras finalidades. O cloreto de potássio é formado na natureza, em lagos que estavam conectados ao mar há milhares de anos, e que secam. Na região de Autazes, esse lago existiu há cerca de 270 milhões de anos e, após secar, foi recoberto por outros sedimentos. Hoje, segundo a Potássio do Brasil, jazidas de sal de potássio no local estão localizadas a cerca de 800 metros de profundidade.

O Brasil adquire no exterior 85% do volume de fertilizantes aplicado anualmente nas lavouras. A Rússia é uma das principais exportadoras - em janeiro, respondeu por 30,1% do adubo que entrou em território nacional, segundo o Ministério da Economia. No ano passado, os russos foram responsáveis por 23,3% do fertilizante que chegou ao Brasil.

O governo Bolsonaro decidiu utilizar a interrupção do fornecimento de fertilizantes da Rússia como argumento para aprovar, o quanto antes, um projeto de lei (PL) que prevê a exploração mineral em terras indígenas. O projeto de lei 191/2020, que autoriza atividades de mineração, agronegócio e de qualquer tipo de obra de infraestrutura dentro das áreas demarcadas, ainda não passou por nenhuma comissão da Câmara para ser alvo de discussões e ajustes, mas a expectativa do governo é que sua votação vá a Plenário nas próximas semanas.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), começou a colher assinaturas de parlamentares para aprovar um requerimento de votação em regime de urgência desse projeto. Caso esse requerimento seja aprovado pelo Plenário, o PL 191 já poderia ser submetido imediatamente à votação, atropelando o processo de discussão legislativa. Ao Estadão, Barros disse que apoia "uma solução imediata" para liberar a exploração dentro das áreas demarcadas. "Nossas mais importantes reservas minerais estão em terras indígenas. O Brasil e os indígenas querem prosperar", afirmou.

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Por trás dessa movimentação está a justificativa do presidente Jair Bolsonaro de que uma grande mina de potássio, localizada na região de Autazes, no Estado do Amazonas, já poderia estar em exploração, reduzindo a dependência do Brasil sobre a importação do insumo agrícola de Belarus e da Rússia. O empreendimento não teria avançado, porém, porque, segundo Bolsonaro, haveria terras indígenas na área a ser explorada. Hoje, é proibido fazer mineração ou erguer projetos dentro de terras indígenas.

Trata-se, na realidade, de um argumento sem fundamento, e por duas razões objetivas. A primeira é que existem, atualmente, 544 processos ativos de exploração de potássio em todo o País, em andamento dentro da Agência Nacional de Mineração (ANM). Centenas de pedidos não tem impacto direto em terras indígenas e teriam condições de serem viabilizados por meio da legislação ambiental já em vigor.

Outra razão é que o projeto de exploração de potássio em Autazes, que foi citado por Bolsonaro, tem impacto indireto sobre as terras indígenas locais, conforme informações da companhia Potássio do Brasil, controlada pelo banco canadense Forbes & Manhattan. Isso significa que a companhia é obrigada a consultar os povos indígenas que vivem na região para licenciar a sua obra, estabelecendo medidas de mitigação dos impactos que causará em toda a área. Na prática, portanto, não é necessário abrir a terra indígena para exploração mineral, mas sim chegar a um acordo sobre os impactos indiretos que a mineração terá.

As tramitações do projeto de lei e de seu requerimento de urgência dependem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Líderes partidários já ouviram de Lira que o texto pode, efetivamente, ser colocado em votação ainda neste semestre. A única prioridade que o antecederia, segundo fontes ouvidas pela reportagem, seria o PL das Fake News.

Ao Estadão, a empresa Potássio do Brasil declarou que o chamado "Projeto Potássio do Brasil", que foi mencionado por Bolsonaro, obteve licença prévia ambiental, mas esta "foi suspensa devido a um acordo com a Justiça Federal para que houvesse a Consulta Pública ao Povo Mura que habita áreas à 8 km de distância das futuras instalações da Potássio do Brasil em Autazes".

Segundo a empresa, "não há previsão para início da exploração da mina de potássio". Nesta quarta-feira, 2, ao divulgar um vídeo de 2016 em que fala sobre o assunto, Bolsonaro defendeu a exploração do potássio, mas criticou o fato de os direitos minerários na região estarem "nas mãos de uma empresa canadense".

Bolsonaro disse que essas explorações teriam sido "acertadas via Petrobras, Deus lá sabe como". O presidente não dá detalhes sobre suas afirmações. "Ou seja, não podemos explorar nosso próprio potássio", concluiu.

Reação

"O que o governo Bolsonaro quer, desde o início, é implodir com os direitos das populações indígenas e outros povos e comunidades tradicionais assegurados pela Constituição de 1988. O PL 191 é uma das peças desse processo. Foi redigido para ser um 'liberou geral' principalmente para o garimpo em terras indígenas, sem os devidos cuidados ambientais, contrariando a Constituição. É isso que está em foco", diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. "O restante é desculpa que o governo está usando para concretizar esse projeto de destruição. A regulamentação adequada da mineração em terras indígenas passa muito longe do conteúdo dessa proposta. Só a existência do PL 191, mesmo sem votação, já está causando processos de degradação irreversíveis."

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou nesta quarta-feira, 8, o quarto dia de julgamento do chamado "marco temporal" para a demarcação de terras indígenas, ainda sem dar início à votação da tese. A expectativa é que o ministro Edson Fachin, relator do caso, faça a leitura de seu voto na sessão de amanhã.

O julgamento foi suspenso cerca de uma hora e meia antes do previsto. De acordo com a assessoria do tribunal, os ministros foram consultados e concordaram em deixar o voto do relator para a próxima sessão, em razão da extensão da fundamentação.

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A análise foi retomada após o discurso do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, em resposta ao "ultimato" do presidente Jair Bolsonaro nas manifestações do feriado de 7 de Setembro. Coube a Fachin, na condição de relator, resgatar os pareceres e sustentações orais das entidades e associações que se inscreverem para contribuir com os votos dos ministros.

Pelo entendimento do marco temporal, uma terra só pode ser demarcada se ficar comprovado que os indígenas estavam naquele território na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Os defensores da tese, muitos deles ligados ao agronegócio, argumentam que o uso do verbo "ocupar" no tempo presente no texto da Constituição Federal é a prova de que as comunidades indígenas só poderiam reivindicar a posse sobre as terras que ocupavam no momento da aprovação da Carta. Já as lideranças indígenas afirmam que a Assembleia Constituinte trabalhou com critérios de tradicionalidade. Caso os povos originários interessados na demarcação não consigam provar a posse das terras, eles poderão ser submetidos a remoções e impedidos de solicitar novos territórios.

Fachin chamou atenção para a importância do tribunal bater o martelo sobre o direito à posse de terras pelas comunidades indígenas. "Se faz necessário que este tribunal desempenhe sua tarefa de guardião da Constituição", afirmou.

Na avaliação do ministro, apesar da previsão constitucional,os direitos possessórios das comunidades indígenas ainda encontram entraves.

"A despeito dessa tutela das terras e do próprio modo de vida indígena pelo texto constitucional vigente, e mesmo pelas previsões constitucionais e legais a ele anteriores, o contexto social e político jamais espelhou referida proteção. Ao revés, é fato notório as condições graves e de por vezes trágicas nas quais, até os dias atuais, vivem os índios em nosso País", disse.

Ele já havia se manifestado contra o marco temporal no julgamento iniciado no plenário virtual, mas precisará reler a fundamentação da decisão, e até poderá mudá-la, porque houve um pedido de destaque, apresentado em junho pelo ministro Alexandre de Moraes, para levar a discussão para a sessão por videoconferência.

Os primeiros dias de julgamento ficaram restritos aos pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR), além das 39 manifestações de interessados no tema e partes no processo. Antes disso, houve ainda uma sessão reservada à leitura do relatório do processo.

Até aqui, o advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, defendeu o marco temporal sob argumento de que a derrubada da tese poderia gerar insegurança jurídica. Em sentido oposto, o procurador-geral da República, Augusto Aras disse ser contra a aplicação do entendimento. Ele defendeu que a Constituição registrou a importância do reconhecimento dos indígenas como os primeiros ocupantes das terras e que o reconhecimento da 'posse permanente e usufruto das riquezas', garantido constitucionalmente aos indígenas, dispensa até mesmo a necessidade da demarcação - que, em sua avaliação, funciona mais como um instrumento para facilitar a reivindicação das terras em eventuais conflitos de posse.

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (8) um julgamento que pode colocar em xeque centenas de terras indígenas pendentes de demarcação no país.

No chamado 'julgamento do século' sobre os indígenas, caberá ao STF decidir se é válida a tese do 'marco temporal', defendida pelo agronegócio com o apoio do presidente Jair Bolsonaro.

Nela, apenas as terras ocupadas por esses povos quando a Constituição brasileira foi promulgada em 1988 devem ser reconhecidas como terras ancestrais.

Especificamente, o STF debate um caso no território Ibirama-Laklano, no estado de Santa Catarina, que em 2009 perdeu sua condição de reserva depois que um tribunal de primeira instância aceitou o argumento de que os grupos não viviam ali em 1988.

Mas, por decisão do próprio tribunal, o veredicto terá repercussão geral e poderá afetar muitas outras terras em disputa. O julgamento pode se prolongar por várias sessões e ser adiado a pedido de um dos 11 juízes.

- O que dizem as partes? -

Os indígenas sustentam que a Constituição reconhece seus direitos sobre suas terras ancestrais, sem prever nenhum "prazo".

E afirmam que em muitos períodos foram deslocados de seus territórios, principalmente durante a ditadura militar (1964-1985), o que tornaria impossível determinar sua presença em 1988.

Os grandes produtores rurais afirmam que no Brasil, com uma população de 213 milhões de habitantes, os 900 mil indígenas já possuem um vasto território - 13% da enorme superfície do país - e que se o 'horizonte temporal' não for adotado, esse número chegará a 28%, projeções ainda questionadas.

O setor tem o apoio de Bolsonaro, que até o momento cumpriu sua promessa eleitoral de não demarcar "mais um centímetro" de terras indígenas.

A FPA, lobby agropecuário do Congresso brasileiro, afirma que as terras indígenas atualmente em estudo "estão se expandindo em áreas que geram os maiores valores produtivos" do agronegócio, o que pode ter um grande impacto em um setor vital para a economia do Brasil.

"A bancada não é contra a demarcação de terras indígenas, defendemos que o produtor rural não seja prejudicado no processo", declarou o presidente da FPA, o deputado Sérgio Souza.

- Que impacto a decisão poderia ter nas terras indígenas?

Se o STF aprovar a tese do marco temporal, os povos indígenas podem ser expulsos de suas terras se não comprovarem que estavam assentados no local na data da promulgação da Constituição.

Segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), que defende os direitos dos povos indígenas, das 725 terras indígenas existentes - a grande maioria na Amazônia - o caso pode afetar pelo menos 237 que estão em processo de demarcação. Uma parte das que ainda não estão demarcadas é analisada pela Justiça.

"A perversidade do caso é que os povos indígenas, que costumam ter tradição oral, terão que provar fatos que aconteceram há 32 anos", Juliana de Paula Batista, advogada do ISA, explicou à AFP.

Além disso, os indígenas argumentam que as reservas, vitais para conter o crescente avanço do desmatamento no Brasil, estariam ainda mais expostas aos invasores de terras e garimpeiros ilegais.

- Em que fase está o projeto de lei?

Bolsonaro e seus aliados do agronegócio promovem simultaneamente um projeto de lei que visa também estabelecer o "marco temporário" e que abre espaço para a exploração econômica das reservas.

O texto precisa ser debatido na Câmara dos Deputados, para o qual ainda não há data. E se for aprovado, será analisado pelo Senado.

Uma decisão contra o "marco temporal" no STF "não invalida automaticamente a decisão do parlamento, mas seria temerário que o congresso edite uma lei com conteúdo já declarado inconstitucional pelo STF. Possivelmente a lei será declarada inconstitucional", explicou a advogada do ISA.

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará, nesta quarta-feira (1º), o julgamento sobre a aplicação da tese de "marco temporal" em demarcações de terras indígenas. O caso deve começar a ser votado pelos ministros, mas não há perspectiva de quando o processo será concluído. Todos os sinais são de que algum integrante da Corte pedirá mais tempo para análise. A avaliação nos bastidores é de que o País vive uma crise entre os poderes, e a situação exige cautela.

A decisão da Corte, seja ela qual for, terá impacto nas relações entre as instituições. A bancada ruralista no Congresso aposta na suspensão do julgamento como forma de ganhar tempo para correr em paralelo com um projeto de lei (PL 490) que trata do mesmo assunto, na Câmara. Acampados em Brasília desde 22 de agosto, cerca de 6 mil indígenas aguardam o encerramento do processo iniciado em 2016.

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Na avaliação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a palavra final sobre a demarcação de terras deve ser do Congresso, e não do Supremo. O texto em tramitação na Câmara admite a tese do marco temporal e permite a exploração de territórios indígenas por iniciativas do agronegócio, da mineração e da infraestrutura. Caso o julgamento seja suspenso, a FPA pretende avançar com esse projeto.

Pelo entendimento do marco temporal, uma terra indígena só pode ser demarcada se ficar comprovado que os índios estavam naquele território na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

Ana Patté, do povo Xokleng, afirmou que o eventual pedido de suspensão do julgamento, por tempo indeterminado, seria um duro revés à mobilização indígena. "Querem deixar a gente no cansaço para ver se a gente desiste, mas não vai ser o pedido de vista que vai enfraquecer a nossa luta", disse ela.

O povo Xokleng está no centro da disputa de um território que hoje envolve uma reserva ambiental. A etnia divide a tutela da Reserva Indígena de Ibirama-La Klanõ com os povos Kaigang e Guarani, mas a Fundação Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente, do governo de Santa Catarina, pede a reintegração de posse das terras.

É neste contexto que a Procuradoria-Geral de Santa Catarina passou a adotar a tese do marco temporal. Por ser uma pauta de repercussão geral, os ministros do Supremo também vão discutir a validade de um parecer editado pela Advocacia-Geral da União (AGU), em julho de 2017, que obrigou todos os órgãos do governo federal a seguir o entendimento do marco temporal, restringindo as demarcações de terras indígenas.

"O marco temporal não significa a extinção dos direitos dos indígenas. Pelo contrário: denota que as reivindicações das comunidades indígenas para demarcação de novas áreas deverão ser precedidas de prévia e justa indenização das propriedades privadas eventualmente afetadas, ou seja, reconhecendo o direito de todos os envolvidos, o que propiciará a solução pacífica dos conflitos", afirmou Rudy Ferraz, chefe da assessoria jurídica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

O julgamento já foi postergado três vezes seguidas, desde que foi levado ao plenário do Supremo, antes do recesso no Judiciário. Há tanta divergência sobre o assunto que alguns ministros podem abandonar posições adotadas recentemente em decisões favoráveis aos indígenas. No ano passado o STF decidiu, por unanimidade, que o governo federal é obrigado a fornecer ajuda às comunidades indígenas no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Além disso, reconheceu que o processo de demarcação é de competência exclusiva da Fundação Nacional do Índio (Funai), e não do Ministério da Agricultura.

Como mostrou o Estadão, porém, a Funai mudou de lado na polêmica do marco temporal. Antes, pregava a demarcação da terra do povo Xokleng, em Santa Catarina. No governo de Jair Bolsonaro, porém, já se mostrou a favor da tese defendida pelos produtores rurais.

Para a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR), presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara e integrante da FPA, a ação mais "responsável" a ser adotada pelo Supremo é a de reconhecer a constitucionalidade da tese do marco temporal. "É necessário dar segurança jurídica para quem detém a posse da terra", disse.

Os indígenas, porém, já planejam outro recurso, caso sejam derrotados. "Buscaremos o nível internacional, porque há necessidade de preservar", afirmou o líder Brasilio Pripra Xokleng.

Autora do recurso que deu origem ao julgamento do "marco temporal" das terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF), a Fundação Nacional do Índio (Funai) mudou de lado na polêmica. Quando apresentou o recurso, em 2017, a Funai pregava a demarcação da terra do povo Xokleng, em Santa Catarina. Hoje, sob Jair Bolsonaro, já se manifestou a favor da tese defendida pelos produtores rurais.

O caso é considerado um dos mais importantes da história da Corte no que diz respeito às terras indígenas e, a partir desta quarta-feira, dia 1º, os ministros do Supremo vão se debruçar sobre o assunto, na tentativa de diminuir os conflitos. O critério do marco temporal prevê que só podem ser consideradas terras indígenas aquelas já ocupadas por eles no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição.

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Ao longo da semana passada, mais de 6 mil indígenas acamparam na Praça dos Três Poderes, em Brasília, para acompanhar o julgamento do caso no Supremo. O que for decidido ali pode provocar impacto nos processos de demarcação de 303 terras indígenas, em todo o País. Somente no Supremo a análise afetará ao menos 82 processos similares, que estão paralisados à espera de uma decisão.

O julgamento é sobre um recurso especial apresentado pela Funai contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), sediado em Porto Alegre (RS). A outra parte do processo é representada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA). No recurso original, a Funai contestou decisão do TRF-4 que deu ganho de causa ao IMA contra os Xokleng. Eles retornaram a um território que hoje envolve uma reserva ambiental.

Em janeiro de 2017, a Funai argumentava que os Xokleng tinham direito imprescritível à terra, ainda que tivessem ficado fora do local por um tempo. Hoje, no entanto, houve uma guinada de posicionamento do órgão. Em maio do ano passado, atendendo a um pedido do ministro do STF Edson Fachin, relator do caso, a Funai pediu que seu próprio recurso fosse rejeitado.

O Supremo também discutirá a validade de um parecer editado pela Advocacia-Geral da União (AGU), em julho de 2017, que obrigou todos os órgãos do governo federal a seguir o entendimento do marco temporal, restringindo as demarcações de terras indígenas.

Para Renato Ribeiro de Almeida, advogado e doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), a mudança de posição da Funai tem mais importância política do que jurídica, uma vez que o julgamento diz respeito à tese do marco temporal. "O julgamento do STF não versa sobre uma questão de fato, mas sobre uma questão de direito. Então, o que importa é a tese jurídica, e não os fatos em si. A discussão é sobre se deve-se aplicar o marco temporal da Constituição de 1988 às terras indígenas ou não; e não sobre a questão específica dos indígenas de Santa Catarina", disse Almeida ao Estadão.

Mesmo que a Funai tenha mudado de posição, os dois lados da controvérsia estarão representados no julgamento do STF: ao todo, 39 entidades foram admitidas como partes interessadas. O grupo inclui desde entidades ligadas aos indígenas até sindicatos de produtores rurais, além de governos estaduais.

'Segurança jurídica'

O atual presidente da Funai, o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, foi ouvido em audiência na Câmara, no começo deste mês, e reafirmou o apoio à tese do marco temporal como forma de promover a segurança jurídica nas disputas por terras no País.

Xavier disse que o órgão está aguardando o julgamento no Supremo para dar sequência aos processos de demarcação. Desde o início da gestão do presidente Jair Bolsonaro, o governo não concluiu o processo de demarcação de nenhuma terra indígena.

Entidades representativas de indígenas alegam que o reconhecimento do marco temporal impedirá a concretização de um direito protegido pela Constituição. Já os representantes do agronegócio e dos produtores rurais argumentam que a derrubada da tese prejudicaria a economia do setor e criaria insegurança jurídica, uma vez que a União não teria mais um critério objetivo para decidir o que é ou não terra indígena.

Na avaliação de Julio José Araujo Junior, procurador da República e doutorando em direito público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a Funai restringiu o conceito de terra indígena. "O curioso é que é um círculo vicioso. O mesmo Estado que deixa de demarcar é o que vai dizer que aqueles casos pendentes não são terras indígenas", afirmou o procurador da República.

A Funai foi criada em 1967, ainda durante a ditadura militar (1964-1985), em substituição ao antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Formalmente, tem a missão de proteger e atender os indígenas, buscando seu desenvolvimento. O Estadão procurou a Funai, mas não obteve resposta.

Bancada Ruralista

Enquanto o Supremo Tribunal Federal discute a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas, a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), dona de uma das maiores bancadas de parlamentares no Congresso, tenta fazer valer o instrumento por meio de projeto de lei. Trata-se do PL 490, de 2007, que já foi tema de conversas reservadas entre a bancada ruralista e o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que se comprometeu em dar prioridade à sua votação pelo plenário da Casa.

O texto, basicamente, impõe a mesma tese do marco temporal, além de abrir a possibilidade de exploração de projetos do agronegócio, mineração e empreendimentos de infraestrutura em terras indígenas.

"Continuaremos com a tramitação do Projeto de Lei 490, que já tem sua admissibilidade aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, por entender que é o Congresso Nacional o Poder com a atribuição e legitimidade para legislar, conforme prevê a Constituição Federal", declarou a FPA à reportagem.

"Entendemos que o direito de propriedade não pode ser preterido em detrimento da demarcação de terras indígenas. O produtor rural deve ser ressarcido quando houve desapropriação da terra pela qual pagou. O direito de um não pode retirar o direito do outro."

No dia 22 de junho, indígenas e policiais entraram em confronto em frente ao Congresso devido à aprovação do PL pela CCJ. Desde a semana passada, cerca de 6 mil indígenas estão acampados na Praça dos Três Poderes em protesto contra a tese do marco temporal.

Pelo entendimento do marco temporal, que é defendido por ruralistas, uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que os índios estavam sobre a terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois deste dia, não teria direito a pedir sua demarcação.

Atualmente, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas. Há, porém, outras 303 terras indígenas que ainda não conseguiram obter a homologação presidencial, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que este tenha sido concluído. Essas terras somam 11 milhões de hectares, onde vivem cerca de 197 mil indígenas. Os dados se baseiam em publicações feitas no Diário Oficial da União e que são monitoradas pelo Instituto Socioambiental (ISA).

O presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar, ontem, o STF e sobre a discussão e afirmou não ser atribuição da Corte mudar a Constituição. Para ele, uma decisão contrária "mataria o campo e sufocaria as cidades".

Em entrevista à Rádio Rede Fonte de Comunicação, o presidente voltou a defender que, se o "marco temporal" for rejeitado, o Brasil terá uma decisão judicial que permitirá a demarcação de uma área do tamanho da Região Sul. "Vai afetar em cheio o agronegócio", disse, pontuando que será necessária a construção de novas rodovias para que o escoamento de alimentos não fique prejudicado.

A apoiadores, o presidente disse ontem que o reconhecimento legal das áreas de tradicionais "acabou" com o Estado de Roraima.

O STF retoma amanhã o julgamento do marco temporal, mas sem previsão de encerramento. Setores ligados aos ruralistas pressionam para que a Suprema Corte entenda que indígenas só podem ter direito sobre terras que já estavam ocupadas até a promulgação da Constituição, em 1988. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Em meio à discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de se adotar um "marco temporal" para a demarcação de terras indígenas, o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira (30) que o reconhecimento legal das áreas de tradicionais "acabou" com o Estado de Roraima. "Acabaram com Roraima por causa das demarcações. Tem alguma favela de índio lá? Tiraram o índio do local dele? Aqui tudo é complicado", disse Bolsonaro a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.

O STF retoma o julgamento do marco temporal, tese defendida pelo Palácio do Planalto, na próxima quarta-feira (1º), mas sem previsão de encerramento. Setores ligados aos ruralistas pressionam para que a Suprema Corte entenda que indígenas só podem ter direito sobre terras que já estavam ocupadas até a promulgação da Constituição, em 1988. Bolsonaro também vem afirmando que uma decisão contrária do STF pode inviabilizar o agronegócio brasileiro e afetar a segurança alimentar.

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Especialistas, contudo, criticam a tese e dizem que ela despreza o histórico de expulsões de indígenas de suas terras tradicionais.

Governador 'gordo'

Em uma conversa de cerca de 20 minutos com apoiadores, Bolsonaro voltou a fazer críticas ao governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), e disse que o Estado é como um "carro bom, mas com um mau motorista". Reiterando ataques pessoais a Dino, Bolsonaro voltou a falar que, "quanto mais pobre o Estado, mais gordo é o governador".

'Imbrochável'

A conversa também contou com uma oração feita por um apoiador. Na fala, o aliado disse que tanto Bolsonaro quanto sua família são perseguidos e classificou o presidente como "salvador da Pátria". Após uma apoiadora garantir voto nas próximas eleições e desejar saúde a Bolsonaro, o presidente repetiu: "Sou imbrochável".

O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender neste sábado, 28, que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare como válido o marco temporal de terras indígenas. Para ele, uma decisão contrária da Suprema Corte pode inviabilizar o agronegócio brasileiro e afetar a segurança alimentar. Ele ainda destacou que, se o marco temporal for rejeitado, "sob o arrepio da Constituição", o Brasil terá uma decisão judicial que permitirá a demarcação de uma área do tamanho da região Sul.

"Essa nova área, somando aquilo que seria equivalente aos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Isso simplesmente inviabilizaria o nosso agronegócio, praticamente deixaríamos de produzir, de importar e entendo, pela dimensão do fato, sequer teríamos como garantir a nossa segurança alimentar", disse o presidente após participar de culto alusivo ao 1º Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos em Goiânia (GO).

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O julgamento no Supremo sobre a tese das demarcações está previsto para ser retomado na próxima quarta-feira, 1º de setembro, mas ainda não há previsão de encerramento. A Corte decidirá se uma terra indígena só pode ser demarcada se for comprovado que as comunidades originárias já estavam estabelecidas sobre o território requerido na data da promulgação da Constituição, ou seja, em 5 de outubro de 1988. As centenas de povos que não conseguirem comprovar legalmente a ocupação das terras nesta data não terão direito a pedir demarcação e poderão ser removidas compulsoriamente dos territórios. A possibilidade do marco temporal é defendida pelo governo e por ruralistas.

Sem detalhes, o presidente afirmou que, se a tese for chancelada pelo STF, terá "duas opções". "Não vou dizer agora, mas já está decidido qual é a opção. É aquela que interessa ao povo brasileiro, é aquela que está ao lado da nossa Constituição", afirmou. "Pior do que uma decisão mal tomada, é uma indecisão. O que for decidido lá pelo outro Poder, tem reflexos nos outros dois Poderes, Legislativo e Executivo, e nós representamos, sim, de verdade, de fato, pelo voto, a população brasileira", afirmou.

Com aproximadamente 6 mil indígenas aguardando a decisão em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento sobre a tese do "marco temporal" das demarcações de terras tradicionalmente ocupadas por povos originários foi novamente adiado. A pauta será retomada na quarta-feira, 1º, mas ainda sem previsão de encerramento a curto prazo.

Até que os ministros possam finalmente votar, os 39 advogados e instituições inscritas na Corte para orientar o processo terão direito a fazer sustentação pelo tempo regimental de 15 minutos. O presidente do Supremo, Luiz Fux, afirmou no encerramento da sessão desta quinta-feira, 26, ser impossível que todos se manifestem a tempo de finalizar o julgamento em um só dia. Dessa forma, um arranjo deve ser feito para encurtar as manifestações. A pauta é vista como prioridade no STF.

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Esta é a terceira vez seguida em que o julgamento acaba postergado, desde que foi levado ao plenário do Supremo, sem nem mesmo um voto proferido. O ministro Edson Fachin, relator da ação, teve tempo de ler o relatório, mas não conseguiu dar novamente o voto já manifestado contra a constitucionalidade da tese do marco temporal.

Fachin argumentou no voto proferido ainda no plenário virtual da Corte que a tese promove um progressivo "etnocídio" entre os povos indígenas, com a eliminação de elementos culturais de determinado grupo.

A frase dura e a mobilização de indígenas na última semana pela Esplanada dos Ministérios dão dimensão do que está em disputa no Supremo. O julgamento é aguardado desde julho, quando foi pautado e suspenso por falta de tempo para análise em razão do recesso no Judiciário. O recurso extraordinário a ser analisado pelos ministros gira em torno de uma disputa entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo do Estado de Santa Catarina.

A Fundação Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (Fatma), do governo de Santa Catarina, pede a reintegração de posse das terras sob tutela das etnias Xokleng, Kaigang e Guarani, que exigem a demarcação da Reserva Indígena de Ibirama-La Klanõ.

O argumento principal que embasa o pedido é a tese do Marco Temporal, na qual seus defensores, muitos deles ruralistas, argumentam que uma terra indígena só pode ser demarcada se for comprovado que as comunidades originárias já estavam estabelecidas sobre o território requerido na data da promulgação da Constituição, ou seja, em 5 de outubro de 1988. As centenas de povos que não conseguirem comprovar legalmente a ocupação das terras nesta data não terão direito a pedir demarcação e poderão ser removidas compulsoriamente dos territórios que ocupam há décadas.

A decisão a ser tomada pelos ministros do Supremo na próxima semana deve impactar o futuro de 303 demarcações de terras indígenas em andamento no País, um direito fundamental dos povos originários, previsto na Constituição. Dados publicados no Diário Oficial da União (DOU) mostram que essas terras ainda não foram analisadas pelo poder público, a fim de obter homologação presidencial. Diante da falta de avaliação, o processo de demarcação está pendente para cerca de 197 mil indígenas que ocupam os 11 milhões de hectares de terras não demarcadas.

A tese do marco temporal é há muito tempo aplicada em casos diversos de disputas contra comunidades indígenas. Em 2013, por exemplo, o ex-procurador-geral de Mato Grosso Jenz Prochnow Junior entrou com ação no Supremo pela anulação de um decreto assinado pela então presidente Dilma Roussef (PT), que homologou a demarcação da terra indígena Kayabi. O caso segue em tramitação na Corte.

"O marco temporal de ocupação: a Constituição Federal trabalhou com data certa - a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) - como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene", escreveu o procurador-geral. O termo aborígene é geralmente usado com conotação pejorativa.

Os defensores da tese apontam o uso do verbo "ocupar" no tempo presente para justificar a necessidade de os indígenas estarem ocupando as terras no momento da promulgação do texto constitucional.

A Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina, que defende o governo estadual contra o povo Xokleng na disputa pela reintegração de posse, diz que, caso a tese do marco temporal se torne inconstitucional, cerca de 2 mil pessoas, dentre eles produtores rurais, que vivem na área desejada serão atingidas.

"Este julgamento pode ser capaz de equacionar as questões sociais, culturais, antropológicas e federativas que envolvem a matéria. A Constituição incentiva o resgate da dignidade dos povos indígenas, superando a ‘diretriz de integração’ e constituindo o ‘paradigma da interação’, mas sem que para isso se violem outros direitos fundamentais igualmente relevantes à sociedade brasileira e decorrentes da Carta", declarou a Procuradoria-Geral de Santa Catarina, por meio de nota.

Em análise mais ampla dos impactos, Eloy Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirma que o reconhecimento da legitimidade faria com que povos isolados fossem "condenados ao extermínio" no processo de tomada das terras que ocupam. Segundo Terena, o marco temporal pode intensificar os assassinatos no campo.

"Nos tempos em que estamos vivendo, eu não duvido que no dia seguinte os fazendeiros, os garimpeiros não iriam nem esperar a publicação da decisão e, tampouco, uma decisão da Funai. Eles iriam com as próprias mãos fazer a retirada de comunidades inteiras", disse o advogado.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou nesta quarta-feira, 25, um pedido do governo federal para adiar a manifestação indígena que acontece em Brasília às vésperas do julgamento que vai decidir sobre a demarcação de terras no País.

A Advocacia-Geral da União (AGU), que representa judicialmente os interesses do Planalto, acionou o tribunal na semana passada pedindo que a mobilização fosse transferida para uma ‘data futura e mais prudente, em um momento de maior segurança epidemiológica’, em razão da pandemia.

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"Seria razoável a adoção de providências para se evitar o agravamento de prejuízos à saúde pública e à integridade dos próprios povos indígenas", disse a pasta. A AGU defendeu, junto ao próprio STF, a rejeição de pedidos de investigação contra o presidente Jair Bolsonaro por falta de máscara e promoção de com aglomeração.

Depois de pedir esclarecimentos para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que coordena o acampamento com mais de seis mil pessoas, Barroso concluiu que a entidade adotou ‘protocolos sanitários cuidadosos’. As exigências vão desde comprovação de vacinação e testagem de participantes na chegada e na saída até uso de máscaras.

"Não está demonstrado, portanto, qualquer risco ou interesse contraposto de ordem a autorizar que se restrinja o direito de expressão, reunião e associação de tais cidadãos. Ao contrário, parece ter havido grande cuidado e preocupação com as condições sanitárias da organização do evento", escreveu o ministro.

A manifestação em Brasília acontece próximo ao julgamento, incluída na pauta desta semana do STF, que vai decidir sobre o futuro de centenas de demarcações de terras indígenas em andamento. O ato protesta contra a tese do marco temporal, segundo a qual as terras só podem ser demarcadas se for comprovado que os índios estavam na região na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988.

O encontro de mais de 6 mil indígenas em Brasília, reunidos para protestar contra a aprovação do marco temporal, que vai à votação pelo Supremo Tribunal Federal, passou a contar com a presença do DJ e produtor musical Alok Petrillo.

Alok, que é reconhecido internacionalmente pelo mundo dos DJs, fez uma defesa da causa indígena e ligou as picapes na Praça dos 3 Poderes.

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"Primeiro eu quero começar dizendo que é uma enorme satisfação em estar aqui com vocês. Eu estou junto de vocês. Ao longo da minha vida, eu nunca fui profundamente conectado com a cultura indígena, assim como muitos que conviveram comigo. Eu aprendi na minha vida, na escola, uma narrativa totalmente distorcida de um legado colonizador", declarou Alok, em um palco que foi montado em uma das tendas dos indígenas. "A gente aprende que o Brasil foi descoberto em 1.500, quando ele foi, na verdade, invadido. Os valores são totalmente distorcidos no olhar do colonizador. O que eu descobri foi que, por mais de cem anos, o que vocês fizeram foi socorrer os brancos que chegavam flagelados e doentes."

O DJ citou a passagem que fez em junho, pela aldeia dos Yawanawá, no Acre. No local, ele gravou um álbum inspirado nas origens sonoras dos povos originários. "Fui até a aldeia dos Yawanawá, no Acre. Eu tinha vários olhares de julgamentos e preconceitos. Enquanto eu estava fazendo música para me encaixar na indústria da música, vocês estavam fazendo musica para trazer a cura. Aquilo ressignificou tudo em minha carreira", disse Alok. "Eu passei a entender a minha relação com a natureza."

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Nas mãos dos ministros da Corte está a decisão sobre o futuro de 303 demarcações de terras indígenas em andamento no País, um direito fundamental dos povos originários, previsto na Constituição Federal.

O processo vai determinar se cabe ou não aplicar sobre as demarcações novas ou em andamento a regra do "marco temporal". Trata-se de uma linha de corte. Pelo entendimento do marco temporal, que é defendido por ruralistas, uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que os indígenas estavam sobre a terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois deste dia, não teria direito a pedir sua demarcação.

Atualmente, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas. Há, porém, outras 303 terras indígenas que ainda não conseguiram obter a homologação presidencial, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que este tenha sido concluído. Essas terras somam 11 milhões de hectares, onde vivem cerca de 197 mil indígenas.

O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender a entrega de terras indígenas ao agronegócio. "A gente dobra a produção no Brasil e diminui despesas", afirmou a apoiadores reunidos na porta do Palácio do Alvorada nesta quinta-feira, antes de embarcar para Cuiabá, onde participa de seminário organizado pela Secretaria de Governo (Segov) em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai).

Além do presidente, o evento, batizado de "Seminário sobre Etnodesenvolvimento e Sustentabilidade no Centro-Oeste - Dia do Campo", terá as participações da ministra da Segov, Flavia Arruda, do presidente da Funai, Marcelo Xavier, e do governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM).

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Segundo a assessoria de Mendes, o seminário visa "contribuir para a autonomia dos povos indígenas por meio do desenvolvimento de atividades econômicas, impulsionar a produção sustentável nas aldeias". Haverá entrega de 42 equipamentos agrícolas a comunidades indígenas do Estado.

Para Bolsonaro, no entanto, apesar da suposta vontade do povo indígena, há grandes obstáculos que dificultam a integração desses povos à sociedade. "A gente briga com a Igreja Católica, parte do MP, com ambientalistas, ações na Justiça. Mas os caras querem produzir, só trabalhar e mais nada", afirmou o presidente aos apoiadores presentes. "Os índios querem produzir, não querem favores de ninguém".

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o governo Bolsonaro complemente o Plano de Barreiras Sanitárias que foi elaborado pela União para conter o avanço do coronavírus nas comunidades indígenas sem incorporar pontos levantados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. O ministro determinou que o novo material seja entregue até a próxima sexta, 14, juntamente com informações sobre a extensão do Subsistema de Saúde Indígena aos povos residentes em terras não homologadas.

O despacho tem relação com a medida cautelar deferida pelo ministro no início de julho, que determinou cinco medidas a serem adotadas pelo governo federal para conter o contágio e a mortandade por covid-19 entre a população indígena. Tal decisão foi dada horas após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetar uma série de dispositivos da lei que regulamenta o combate ao novo coronavírus entre indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

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Entre as medidas determinadas por Barroso está a instalação de barreiras sanitárias para conter a disseminação da Covid-19 nas áreas ocupadas pelas comunidades indígenas. O governo encaminhou ao plano ao Supremo, mas sem incorporar as considerações feitas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. A AGU alegou 'exiguidade do tempo', dizendo que os pontos da APIB foram apresentados na véspera da data de entrega do documento, e pediu prazo adicional para complementação.

Ao analisar o caso, Barroso destacou que o material apresentado pela APIB confirma a imprescindibilidade da participação das comunidades indígenas na formulação dos planos e políticas que lhe são direcionados.

"De fato, impressionam a densidade, o detalhamento e a precisão do material, bem como a disponibilidade de informações que não foram trazidas por nenhum dos demais atores e que são essenciais para a efetividade das ações de proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato"

Do documento enviado ao governo, a entidade apontou falhas no plano elaborado pela União, entre elas 'confusão conceitual entre barreiras sanitárias e Bases de Proteção Etnoambiental'. A Procuradoria-Geral da República e a Defensoria Pública da União também criticaram o plano, afirmando que ele se mostrava 'ineficaz' e 'genérico'.

Além disso, a APIB alegou o Supremo que uma das cautelares deferidas por Barroso no início de julho não estava sendo cumprida: determinação de que o Subsistema de Saúde Indígena preste atendimento a indígenas aldeados, ainda que residentes em terras indígenas não homologadas. A informação motivou o ministro relator a cobrar informações do governo.

Em sua decisão, Barroso apontou que as barreiras sanitárias não só constituem instrumento de defesa territorial e de limitação da movimentação nas terras indígenas, mas devem 'desempenhar, igualmente, o papel de gestão e contenção da crise sanitária que está sendo enfrentada, sem o que a finalidade para a qual foram instituídas não se veria cumprida'.

"Saliento que estamos diante de um quadro gravíssimo e emergencial, de modo que, sem prejuízo do enorme esforço de diálogo institucional e intercultural empreendido até aqui, é preciso que ações concretas sejam efetivadas. Portanto, após transcorrido o prazo para complementação do Plano, este Juízo decidirá sobre seu conteúdo e alcance, seguindo-se a fase de sua implementação", frisou ainda o ministro.

Barroso também especificou elementos mínimos que as barreiras sanitárias devem reunir, ressaltando ainda que os protocolos, princípios e diretrizes devem levar em consideração as particularidades e vulnerabilidades de cada povo e região:

- medidas de proteção do território

- EPI para os profissionais que atuarão na área

- quarentena em local adequado para quem for adentrar terras indígenas

- ingresso em tais terras apenas após testagem

- redução da movimentação de equipes

- monitoramento epidemiológico do entorno

- retirada de pessoa sintomática não indígena da área

- preferência por tratamento de pessoa indígena na própria área

- condições de comunicação adequadas (radiofonia)

- plano de contingência para o caso de contato entre PIIRCs e terceiros

Na decisão Barroso ainda mencionou que todas as manifestações juntadas aos autos tornam evidente que os problemas estruturais que acompanham a questão indígena há décadas - "histórica inoperância do Estado brasileiro na regularização dos seus territórios, na contenção de invasores e no desenvolvimento de políticas públicas de reconhecimento e proteção" - agravam a vulnerabilidade de tais povos à pandemia.

"Por isso, o problema é de difícil solução e, independentemente das medidas imediatas que se venham a determinar, é preciso não perder de vista a necessidade de um planejamento de médio prazo que enderece os referidos problemas estruturais - a exemplo da desintrusão de invasores, tão logo possível", indicou.

O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender, na manhã desta terça-feira (18), a regularização do garimpo e de outras atividades de exploração em terras indígenas. Bolsonaro recebeu a visita de representantes de cerca de 30 etnias no Palácio da Alvorada.

"O índio não pode ficar dentro da terra como um ser pré-histórico. Ele é igual nós. Então nós queremos pedir para garimpar, plantar, arrendar terra, explorar o turismo", disse o presidente a jornalistas.

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Bolsonaro afirmou que falou sobre propostas que tratam da exploração de terras indígenas com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Sobre eventuais resistências a esse tipo de matéria, o presidente disse que a decisão é do Congresso Nacional.

"A decisão é do Parlamento, eu faço a minha parte. Inclusive eu estou regulamentando o artigo 231 da Constituição Federal. Então está escrito na regulamentação que eles indígenas têm direito sobre propriedade", declarou Bolsonaro. O artigo 231 diz que "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".

O presidente falou com um grupo de indígenas antes da cerimônia de hasteamento da bandeira, que ocorre às terças-feiras no Alvorada, com a presença de ministros e autoridades. O evento é seguido da reunião do Conselho de Governo.

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